A Bióloga Mercedes Bustamante (CRBio 15.671/02-D) é uma profissional de referência no estudo do cerrado brasileiro e das mudanças ambientais globais. No final de abril deste ano, seu nome foi projetado mundialmente: ela foi eleita e nomeada para a Academia de Ciências dos Estados Unidos (US National Academy of Sciences – NAS), um reconhecimento às suas realizações em pesquisas originais e uma das maiores honrarias que uma cientista pode receber. Para ter uma noção do prestígio da entidade, entre os eleitos da história da Academia, 190 já foram ganhadores de prêmios Nobel.
Alguns meses antes, Mercedes já havia tido outro reconhecimento internacional às suas pesquisas: Ela foi elencada entre os 18 brasileiros mais citados em 2020 no portal Web of Science, que divulga os nomes dos pesquisadores mais mencionados em trabalhos científicos no mundo. Ela aparece citada em estudos de diversas áreas do conhecimento.
Doutora em Geobotânica pela Universität Trier, na Alemanha, e mestre em Fisiologia Vegetal, a Bióloga Mercedes é professora no Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília desde 1994. Suas pesquisas abordam especialmente temas ligados a mudanças no uso da terra, biogeoquímica e mudanças ambientais globais. Nascida no Chile, mas com nacionalidade também brasileira, a pesquisadora integra o grupo da Academia Mundial de Ciências (TWAS) desde 2018 e é membro da Academia Brasileira de Ciências desde 2014. “Seus trabalhos notáveis englobam contribuições para o estudo dos impactos da deposição de nitrogênio na diversidade vegetal e os impactos do desmatamento, queimadas, e seca na bacia do rio Amazonas”, aponta o site da Academia Brasileira de Ciências. Ela conversou com a Revista BioParaná sobre os recentes reconhecimentos públicos.
Dra. Mercedes, sua eleição para a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos é certamente uma inspiração para muitos pesquisadores no Brasil. Como avalia o significado desta nomeação?
A indicação foi uma surpresa para mim, mas é importante em um momento com tantas dificuldades para conduzir pesquisas no Brasil. Mostra que o conhecimento gerado no Brasil é reconhecido no exterior. O reconhecimento não é individual, é para um grande grupo de alunos e colegas com quem tive o privilégio de colaborar ao longo de 27 anos de atuação. Eu espero que, mesmo com as dificuldades atuais, esse reconhecimento estimule mais jovens pesquisadores em suas carreiras e reforce a necessidade de que o apoio à ciência no Brasil seja robusto e estável.
A nomeação veio pouco tempo depois de outro grande reconhecimento internacional: a notícia de estar entre os 18 brasileiros mais citados no Web of Science no ano passado. Acredita que essa busca global por seus artigos refletem um aumento do interesse sobre a Ecologia no Brasil?
Sim. Os artigos abordam temas associados às chamadas mudanças ambientais globais – que incluem a mudança climática e também questões como mudanças no ciclo do nitrogênio, mudanças no uso do solo e no regime de fogo. É possível sim, que esse volume de citações seja reflexo da preocupação global com nosso meio ambiente. O Brasil é foco de atenção global na área de meio ambiente por ser um país megadiverso com estoques significativos de carbono e biomas cujo funcionamento afetam o clima em escala regional e global. Apesar disso, a degradação de nossos sistemas naturais tem se acentuado em contraposição às preocupações globais.
Sobre esta degradação ambiental cada vez maior no Brasil: acredita que existem caminhos possíveis a serem tomados para a preservação de nossos Biomas?
O Brasil já mostrou em um passado recente que é possível reduzir o desmatamento com uma boa articulação de políticas públicas, dos entes federativos e do setor privado. A perda de nossos biomas afeta, em primeira instância, a própria população brasileira. É preciso retomar as políticas de controle das atividades ilegais que resultam em degradação ambiental e apoiar as atividades sustentáveis. Mas, para isso, precisamos de lideranças responsáveis e que se apoiem na melhor ciência disponível.
Como foi conduzindo seus estudos e sua trajetória profissional na Biologia para ser especialista na temática das mudanças ambientais globais?
Cursei ciências biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, concluída em 1984, e desde a graduação me interessei em estudar as respostas dos organismos e ecossistemas às alterações de seu ambiente. Fiz meu mestrado em Fisiologia Vegetal (Ciências Agrárias) pela Universidade Federal de Viçosa (1988). Comecei a estudar mais a mudança do clima quando fiz meu doutorado na Alemanha, no início da década de 1990. Depois, esse tema começou a ganhar mais atenção, sobretudo devido à necessidade de entendermos o impacto da mudança do clima sobre os sistemas tropicais, que possuem uma grande diversidade de organismos. O clima é um dos fatores mais determinantes do funcionamento dos ecossistemas, em particular da sua biogeoquímica. Como já trabalhava com ciclagem de nutrientes, isso me encaminhou para incorporar as mudanças e em escala regional e global.
E como foi sua escolha pela Biologia?
Sempre foi uma de minhas disciplinas preferidas na escola e minha escolha ao fazer vestibular foi influenciada pelos professores que tive no ensino médio. Por isso sempre tento transmitir em minhas disciplinas como a Biologia pode ser fascinante.
Poderia comentar um pouco sobre o foco das suas pesquisas atuais dentro desta grande temática do uso do solo e as mudanças climáticas?
Nossos projetos têm foco no bioma Cerrado, estudando os impactos do fogo sobre a estrutura e diversidade da vegetação do Cerrado e também nas emissões de carbono. Buscamos entender como as mudanças no uso do solo, ou seja, quando você retira a cobertura de vegetação nativa, transforma aquela área para um outro uso, como agricultura, pastagem ou área urbana, o que isso impacta no funcionamento, na qualidade do ar, na qualidade da água na redução da biodiversidade e quais as consequências que estes processos têm. Adicionalmente, trabalhos com as conexões entre as seguranças alimentar, energética e hídrica no Cerrado e como elas são afetadas por alterações do uso da terra.
Por último, como vê a relevância dos Biólogos no Brasil em tempos atuais, especialmente dentro de sua área, a Ecologia?
Creio que todos os setores da economia e da sociedade deverão incorporar a questão ambiental em suas atividades. Fazer isso de forma eficiente e eficaz irá demandar profissionais bem formados para atender essas múltiplas demandas e os Biólogos terão um papel fundamental. Adicionalmente, precisaremos trabalhar na restauração de sistemas degradados e o conhecimento que temos dos ecossistemas de referência fornecerá uma base importante.
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Reportagem do CRBio-07, regional com jurisdição no Paraná